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Mainframe conquista sua merecida aposentadoria por serviços prestados
Por Rodrigo Assumpção*
Presidente da Dataprev
Um dos projetos mais importantes em curso na Dataprev é a desativação do seu último mainframe. É uma agenda que tem prioridade máxima no planejamento estratégico da empresa. Até o final de 2025, a totalidade das poucas aplicações que ainda rodam no computador de grande porte terá sido transferida ou modernizada em plataformas baixas. Em seguida, a máquina será definitivamente desligada.
Pandemia e crise política interromperam o downsizing dos sistemas previdenciários, epílogo de um movimento que vinha sendo promovido na Dataprev desde o início dos anos 2000. Em 2012, concluímos o redesenho das aplicações do Ministério do Trabalho e Emprego, que rodavam fora da empresa; e desligamos o computador de grande porte que atendia à Receita Federal; em 2014, foi a vez do que guardava o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Após longo intervalo, a diretriz foi retomada este ano em ritmo acelerado e sem possibilidade de recuo.
Há muitas razões para transferir bases de dados e aplicações para a plataforma baixa. Elas incluem facilidade de uso, disponibilidade de recursos humanos, escalabilidade, flexibilidade, maior possibilidade de integração e segurança. Todos esses atributos a serviço do atendimento das demandas da sociedade por rapidez, serviços novos e de operação simplificada, e do imperativo da soberania e da autonomia tecnológica, valores cruciais para uma empresa pública de TI.
A Dataprev possui o maior ecossistema de informações sociais da América Latina. Uma das fundações da Infraestrutura Nacional de Dados, por sua vez, um dos fundamentos da Infraestrutura Pública Digital (DPI, na sigla em inglês) que está sendo construída no país. O Estado e a sociedade brasileira estão engajados na transição digital, processo em que conectividade e flexibilidade despontam como qualidades indispensáveis.
É o mundo dos serviços oferecidos sobre plataformas modulares, das APIs, dos lados de dados (ou data lakes), da abordagem analítica, da IA, do low-code, no-code. Um cenário de diversidade tecnológica, projetado sobre uma arquitetura em camadas, oposta ao modelo proprietário e hiper convergente dos grandes computadores.
As tecnologias de IA e analytics vão propiciar novas visões gerenciais, a partir de data lakes formados com dados de diferentes fontes e bases públicas, e poderemos aprofundar a sinergia governamental em operações combinadas e transversais entre os entes públicos. A Estratégia de Governo Digital pressupõe integração ampla, que aplica ciência de dados às políticas para conferir velocidade, poder de reação e inteligência ao Estado.
Um exemplo dessa agilidade é quando os dados do CadÚnico se cruzam com os do CNIS para acelerar o processamento de auxílios emergenciais. Ou quando a Dataprev precisa alterar rapidamente cronogramas de pagamento, como na antecipação dos benefícios do INSS destinados à população do Rio Grande do Sul atingida pelas inundações.
Agora imagine um servidor público, na sua rotina, dando entrada na requisição de um benefício. Se fizer isso usando os emuladores do mainframe, vai encarar um layout de tela anterior ao da interface gráfica, e ter que navegar digitando “alt-tab” para saltar entre menus e submenus. Na análise de uma única aposentadoria por idade, por exemplo, terá que percorrer até nove telas diferentes.
Para o pequeno grupo já acostumado, a navegação flui. Mas a força de trabalho do INSS caiu à metade desde 2016, e exigiria esforço tremendo treinar nesses comandos os milhares de novos servidores que estão sendo convocados nos concursos públicos para a reconstrução do Estado. Há 32 anos, desde 1992, as pessoas usam interfaces visuais orientadas a mouse. O padrão “alt-tab” é uma barreira de entrada nada desprezível para o investimento em recursos humanos.
Na plataforma baixa, as informações sobre benefícios são consolidadas em interfaces amigáveis. Se o cidadão tem dependentes, recebe pensão, contratou empréstimo consignado... todos esses dados poderão estar em uma única tela. Ou, ainda, em design customizado para cada tipo de atendimento. Essa facilidade operacional significa conforto para quem trabalha, mas seu principal ganho é de tempo e agilidade na garantia dos direitos.
Ampliar a capacidade dos recursos para gestão de benefícios deixa de exigir complexos aditivos contratuais ou investimentos em hardware específicos. A escalabilidade das plataformas baixas, junto com a padronização de seus componentes, favorece a gestão de fornecedores e a interconexão de sistemas. Expandir a infraestrutura torna-se muito mais simples e rápido.
As agências físicas do INSS realizam, em média, da ordem de 1,8 milhão de atendimentos mensais. O serviço online multiplica esse alcance para cerca de 63 milhões de acessos/mês, nos dados até abril deste ano. Se necessário, podemos dobrar esse número sem dobrar o custo. Uma expansão do atendimento só imaginável com a abordagem web.
Queremos crescer sem sobressaltos, mas não só. É urgente qualificar o atendimento e rentabilizar investimentos. A plataforma baixa ajuda a inovação e tem permitido à Dataprev implementar novos serviços. Por exemplo, a função de bloqueio e desbloqueio de empréstimos consignados usando biometria, já disponível. Ou soluções como o Portal Meu INSS e a Carteira de Trabalho Digital, as aplicações mais procuradas na plataforma Gov.br. Ou, ainda, reaproveitar desenvolvimentos, intercambiando módulos e APIs entre clientes – possibilidade transformada em um novo produto, as plataformas multiclientes.
A migração do processamento da folha de pagamentos de benefícios do INSS, em julho do ano passado, reduziu de três dias para oito horas o tempo dessa operação. Uma conquista a ser celebrada. Especialmente, se observarmos que, durante esse procedimento, o INSS precisa interromper as atualizações de benefícios (revisões, consignados, alterações motivadas por divórcios...). Tempo é sempre escasso, e quem precisa dele tem pressa.
A gestão do conhecimento reflete outro aspecto relevante para a decisão de migrar. Há cada vez menos profissionais que dominam as linguagens e os bancos de dados dos mainframes, criados nas décadas de 1970 e 1980. Eles são raros e caros. Contar com pessoal qualificado disponível é fator crítico para a manutenção e a continuidade dos serviços.
Nesse e em outros fronts, o sistema ganha segurança. No próprio ambiente computacional, é possível implantar certificado digital nativo no login dos usuários, fortalecendo a gestão das permissões atribuídas a cada funcionalidade. No mainframe, obviamente esse controle também acontece. Mas são necessários vários recursos não nativos da plataforma, para implementar soluções já disponíveis na plataforma baixa.
Na baixa, pode-se, ainda, integrar ferramentas de análise de riscos para detectar padrões suspeitos nos acessos, possíveis vulnerabilidades, antecipando investigações ou reações. Também cai o custo para a alta disponibilidade dos serviços, com sites redundantes ou multisites, que replicam as aplicações em diferentes locais físicos. Essa medida garante rapidez e integridade na recuperação dos sistemas em caso de desastres – uma preocupação cada vez maior em tempos de eventos climáticos extremos.
Dataprev já concluiu a migração de grande parte dos acessos on-line de usuários ao mainframe, passo essencial para posterior modernização dos processos batches (processados sequencialmente e em lotes). O que falta se refere a consultas muito específicas e de pouca procura – menos de 10% do volume total de acessos, em comparação a 2022, e a só 3% dos usuários, que devem se desconectar do equipamento até julho. Sem as demandas que eram acessadas online, o equipamento virou uma ‘caixa de processamento’.
A última operação a ser transferida envolve a própria base de benefícios, atualmente espelhada em plataforma baixa para acesso dos demais sistemas que já foram modernizados. O desafio que temos pela frente envolve da ordem de 800 processos, ou 1,8 milhão de linhas de código. Concretamente, dados de 40 milhões de CPFs e 44 milhões de benefícios, processados e enviados a 21 bancos pagadores.
A estratégia de migração definida pela Dataprev combina experiências anteriores e novas tecnologias. Algumas soluções estão sendo reescritas em Java, a exemplo do que a empresa fez no downsizing das aplicações do Ministério do Trabalho e Emprego. Outras serão vertidas para Java com ajuda de um conversor de código, metodologia adotada nos sistemas que atendiam à Receita Federal.
O downsizing da Dataprev é uma decisão de estratégia e política tecnológica. Não se trata de uma questão abstrata. Tem impacto objetivo para os usuários dos sistemas (servidores públicos e parceiros) e para os cidadãos e cidadãs, que terão serviços melhores para acesso aos seus direitos. Em um mundo cada vez mais intrinsecamente digital, acreditamos que o país precisa de liberdade e autonomia para trabalhar em ambientes eficazes e efetivamente soberanos.
*Bacharel em História e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em sistemas de informação para gestão da proteção social, e presidente da Dataprev, empresa pública de tecnologia responsável pela execução das principais políticas sociais do Brasil.